Palavras não faladas de adolescentes gestantes: vozes que sussurram internamente quando o desejo por
- Joanna Carolina Ramalho e Oliveira Martins
- 27 de fev. de 2019
- 5 min de leitura

Aconteceu. E agora? Como fazer? Como vai ser?
Era para ser só uma “brincadeira”, mas foi de verdade. O corpo acolheu um desejo e transformou em você. Um desejo que nem conheço. Mas você ainda não é você. Ainda não existe pra mim. Como vou acolher um ser, o meu ser? Como vou fazer, se nem ainda sou um, se ainda não sei o que sou? Se não sei se quero e o que quero? Se estou imersa em uma ebulição de mudanças desde que fiz 11 anos?
Meu corpo mudou rápido demais, que já não me reconheço. Ainda preciso entendê-lo, sinto coisas estranhas, são milhões de sentimentos. Tenho medo. Será que serei olhada? Amada? Será que terei o que não tive? Ou vou continuar com a vida que tenho? Vou ter mais? Menos? Serei como meus pais, esses que não reconheço mais, assim como a mim? Destes que preciso me tornar diferente? Serei alguém? Alguém irá me desejar? Me amar? Posso ser eu? E que eu? Nem eu mesma sei.
Assim estava quando tudo aconteceu. E as dúvidas e medos fazem agora parte de mim. As transformações corporais não dão trégua. Meu corpo cresce em um ritmo frenético, mas de um jeito diferente do que eu estava me acostumando, cresce mais ainda agora. Inúmeras mudanças intermitentes, cada dia. A cada dia uma sensação nova. Uma angústia, ou uma alegria. Mas um medo. O medo é meu companheiro, dia após dia. E o espelho ainda é meu inimigo nesse começo. Minhas espinhas aumentaram e minha barriga embrulha.
Antes eu já estava crescendo rápido demais, foi um pulo, um susto. Meu corpo mudou, já tenho pelos, peito, um ainda diferente do outro, ainda não me gosto totalmente, mas sinto, só sinto, mil sensações, está tudo transformando, desenvolvendo.
E de repente, esse ritmo acelerou, modificou, sinto agora sensações jamais vividas, assustadoras, confusas, e eu que em algum momento já estava me achando alguém, e tudo mudou de repente, muito de repente.
O que vão pensar de mim? E os meus pais, tios ou avós...? Eles se importam? Como vão agir? O que eu mesma penso? Sinto satisfação ou poder em algum grau? Sinto pavor, tristeza?
Talvez eu tenha que me esconder ou talvez possa aparecer e enfrentar os olhares, de todos e o meu mesmo. Sinto um misto de orgulho e pavor, e mais trilhões de sentimentos misturados. Havia algum desejo mas a verdade era que nem eu entendo, nem eu sabia. Às vezes só não quero, não consigo, mas preciso conseguir. Me sinto sozinha, abandonada por mim mesma, pelo meu corpo que não é o mesmo, a cada dia.
Não sei o que sou, estou imersa em uma ebulição de mudanças hormonais, físicas, emocionais, não sei o que sinto, sinto tudo ao mesmo tempo.
Quem é esse bebê, como vai ser? Não sei se quero. Eu quero e não quero. Como vou olhá-lo? Como vou sobreviver? Como ele vai sobreviver? Ele ainda não existe pra mim. Só fantasma, medo, talvez alegria em alguns momentos, preenchimento. Mas o medo me acompanha, a mudança em meu corpo antes já me assustava, ou no mínimo era estranha para mim. Mas agora é mais intenso, e esse sono e enjoo que não saem de mim. Agora não sou mais eu. Definitivamente. Não mais eu. Não somente eu.
Queria era só entender tudo o que está acontecendo comigo, queria era ser ouvida e conseguir me ouvir. Não quero que me julguem, já está tão difícil pra mim, só ficarei pior com dedos sendo apontados e os cochichos a meu respeito. Eu também os aponto, e me sinto tão mal. Os olhares de reprovação, de raiva ou de angústia me entristecem. Às vezes ainda não me conformo que aconteceu. Sim eu sabia, mas, também não sabia. Não imaginava que podia acontecer comigo. Foi somente uma vez. Foi tão rápido. Como é possível? E causar tanta mudança?! Quero colo e tenho medo de pedir, pois afinal agora serei mãe. Ninguém me entende, nem mesmo eu. Às vezes me sinto um bebê, só quero comer e desligar. Sei que desapontei alguém em algum momento, não tenho certeza se foi a mim ou a ti. Mas acho que não vou dar conta. Eu só quero dormir. Quero que tudo acabe, que volte ao normal. Não era o que eu sonhava, não era assim que eu queria. Preciso estar aconchegada mas ninguém acha que preciso. Às vezes nem mesmo eu. Não sei o que eu sinto. Eu mudo o tempo todo. Nunca chorei tanto e sinto raiva também. Eles acham que eu tenho que dar conta afinal fui crescida para fazer. Mas eu não imaginava, realmente não sonhava assim. Mas eu fiz. Eu ando na rua e os cheiros vem pra cima de mim, me sufocam, não tenho pra onde ir, não é possível escapar. Nada mais funciona do mesmo jeito. Preciso de ajuda. Preciso ser ouvida. Quero gritar e falar tudo o que está dentro de mim. Não sei como será, se saberei cuidar; se serei uma mãe, enfim.
Esse texto visa exemplificar uma série de sentimentos que possivelmente são experimentados por adolescentes que se encontram gestando um bebê. Vale ressaltar que, embora a crônica acima abarque os sentimentos comuns vivenciados, tanto na adolescência como na gestação, as vivências são sempre subjetivas e individuais, e, portanto, devem ser olhadas e tratadas observando-se o contexto específico de cada adolescente, de cada gestante.
A adolescência por si só é um período de transformação, de transição, de mudanças físicas, hormonais e emocionais; um período de consolidação e definições. Neste período, uma série de enfrentamentos ocorrem, tanto para o adolescente como para seus familiares.
Há a revivência inconsciente, por parte dos adolescentes, das conexões e vínculos estabelecidos na infância, e uma visita, também inconsciente, a toda sua história de vida, especialmente às vivências com a sua mãe ou alguém que fez este papel.
Mesmo sendo mais crescidos, e aparentemente desejando sua total independência, os adolescentes de modo geral, precisam de cuidados e da orientação e intervenção dos seus pais, precisam do olhar e, também, que os vínculos com estes estejam seguros e consolidados.
Quando ocorre uma gestação na adolescência, a adolescente precisará ainda mais de amparo, pois há a soma de dois eventos importantes e distintos, que ficarão sobrepostos, interferindo mutuamente no psiquismo dela. Há uma sobreposição de mudança de identidade: de criança para adolescente e, de filha para mãe, envolvendo uma série de ajustamentos emocionais.
Esses ajustamentos também serão vividos pelo pai do bebê. E, em alguma medida, por toda a família. Também para eles, especialmente para o pai, é importante que haja um espaço para falar dos sentimentos despertados diante desses eventos tão complexos sobrepostos.
O amparo e um espaço de escuta disponível para os novos pais (gestante adolescente principalmente, e pai do bebê) é de importância crucial para a formação do vínculo entre mãe-pai e bebê, interferindo diretamente no futuro do bebê que está sendo gestado nesse período ímpar da vida dos pais.
Na impossibilidade de haver um espaço de escuta que promova o amparo necessário, ou quando os sintomas da gestação e outros sintomas emocionais encontram-se demasiados, faz-se necessário procurar atendimento psicológico especializado.
O psicoterapeuta perinatal propicia amparo e auxílio para a família e para a gestante adolescente, no processo de adolescer, de se transformar, se tornar adulto, bem como no processo único de se tornar mãe; auxilia no processo de ser, de poder, de crescer e cuidar de outra vida, e, de enfim existir, nessa nova configuração.
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