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A travessia do bebê e seus pais: da delicada construção do envolvimento, ao des-envolvimento necessá


Tudo, a princípio, começa a partir do encontro entre dois microscópicos organismos: óvulo e espermatozóide, através da fecundação. Cada um deles trazendo em sua bagagem os genes e os aspectos psíquicos das gerações que os antecederam (transgeracional). O encontro de duas linhagens: da mãe e do pai, através do “banho de linguagem”. Banho de linguagem seriam “todas as palavras que preexistem à vida humana”, através dos ditos, não-ditos, por parte dos diferentes membros da família e que formarão as bases do inconsciente. Para Myrian Szejer, é necessário que haja o desejo de três para que um embrião, se torne um feto, depois, um bebê e, assim, seguir seu rumo. No primeiro trimestre de gestação enquanto o embrião vai tomando as primeiras formas, a mãe vai entrando em contato com os primeiros sinais físicos, que dão dicas da presença do embrião: sono, enjoos etc. Período denominado por Szejer de “Teatro dos Mal-estares”. Neste período, os ovários secretam os hormônios necessários para a manutenção do embrião. É considerado um momento de fusão entre dois indivíduos (mãe-embrião). A partir do segundo trimestre, a placenta será formada pelo próprio embrião através das células embrionárias e será o primeiro elemento de sua vida a lhe separar da mãe. Será o órgão que intermediará as primeiras trocas, até o nascimento. Para Szejer, este será o primeiro momento de autonomia do embrião que, a partir de agora (quarto mês), será chamado “feto”. Neste período, podem ocorrer os famosos desejos por parte da gestante. Os desejos, podem significar o primeiro discurso do feto solicitando os nutrientes necessários ao seu crescimento. Este segundo trimestre, em geral, é o mais prazeroso para a gestante onde os sintomas físicos desconfortáveis já passaram e ela começa a sentir os primeiros movimentos fetais, dentro de si, “um prazer vindo do fundo dos tempos” (Szejer) e dirão que está com uma fisionomia radiante e iluminada, por sentir a “força de vida” dentro de si. No entanto, estranhamente, neste mesmo período, é comum ocorrerem pesadelos, insônias … os sintomas deixam de ser físicos e passam a ser mais psicológicos, pois, ela antecipa a chegada do momento de separação deste ser que carrega dentro de si. Donald Winnicott, pediatra e psicanalista, criou o conceito de Preocupação Materna Primária, para referir-se a uma condição especial da mãe (temporária, saudável e necessária) que a capacita a atingir um estado mental, que a aproxima do estado mental primitivo do bebê já, a partir do período de gestação e durará um período, após o nascimento do filho. Esta aproximação ao bebê, através deste estado mental especial, a fará, inversamente, tomar um distanciamento do seu entorno, do mundo adulto e racional e ficará mais sensível, mais “à flor da pele”. Certa vez, ouvi de uma gestante, enquanto olhava e massageava a barriga: “Filho, posso entrar aí dentro?” Frase que pode expressar a presença da regressão e desejos de retorno ao útero materno e a necessária identificação com o bebê, a fim de se aproximar, mentalmente, dele; reconhecimento do outro, dentro de si etc. Chegará, então, o momento da angustiante e desejável “separação”, a qual ocorrerá, através de parto normal ou cesariana. O processo de parto e pós-parto será vivenciado pela mulher, de acordo com sua própria história e do momento atual. Durante todo este período (gestação, parto e puerpério) é necessário que haja um ambiente acolhedor, não invasivo, afetivo e encorajador, a fim de que a mãe consiga um envolvimento gradual e afetivo ao seu bebê. Outra frase que presenciei de uma mãe, na mesma semana em que ocorreu o parto (natural): “Filho, sai daí! Vem pra luz!!!” Uma mãe, ao dar à luz, tem a oportunidade de “dar à luz a si mesma” e, assim, ter a oportunidade de crescer psiquicamente. Fenômeno que ocorre nos pais também. No terceiro dia, pós-parto é comum ocorrer o baby blues. Trata-se de comportamentos de choros e sensibilidade “à flor da pele”, os quais iniciam e passam de forma repentina e por motivos, aparentemente, banais. Dura alguns dias. Por outro lado, contraditoriamente, no terceiro dia o bebê está ganhando mais peso, seu choro tem mais vigor, modula a voz de diferentes tons. Szejer entende esta modulação como uma forma de diálogo do bebê. E a pergunta: porque ela deprime no momento de melhora do bebê? Seria um susto pelo reconhecimento de sua alteridade e, aí deprime? Ou deprime para que seu bebê possa ocupar um lugar próprio? Neste momento inicial, pós-parto, mãe e bebê estão em um processo de re-conhecimento, ou seja, de sentir os movimentos um do outro, os ritmos de cada um e precisarão de um certo tempo para conseguirem uma comunicação (comum-ação física e afetiva) entre ambos. Assim, a amamentação, é uma importante via de comunicação. Também aqui, dependerá da história de vida da mãe, bem como da existência ou não de um ambiente facilitador e acolhedor por parte do entorno (companheiro, mãe, irmãs, amigas…) e, assim, se tudo estiver dando certo, a mãe “se deixará mamar” pelo bebê. E este irá ingerir o leite, junto aos sentimentos (ansiosos, persecutórios, agressivos, amorosos, etc) de sua mãe. E, então, se tudo estiver se desenvolvendo relativamente bem, mãe e bebê, poderão usufruir deste momento, especial e de intensa proximidade corporal e afetiva. Dentro do “relativamente bem” estaria, entre outras situações, por exemplo: quando mãe e pai, - ao estarem exaustos por noites mal dormidas, choros do bebê sem que tenham alguma compreensão … - ao passarem por uma vivência desesperadora com sentimentos e fantasias diversas, tiverem consciência desta angústia e, então, recuperar, aos poucos, uma atitude mais compreensiva consigo mesmos e, consequentemente, em relação ao bebê. Ou, ainda, buscar ajuda de outros (familiares, amigos, profissionais etc), no intuito de se recuperarem do cansaço físico e mental, bem como compartilhar as dores e/ou delícias das novas experiências da maternidade e paternidade. E, assim, conforme o bebê vai crescendo, vai demonstrando maior capacidade motora, relacional e, mais uma vez, bebê-mãe/pai passarão por outra fase de des-envolvimento (sair do envolvimento). Este des-envolver poderá ser um processo gradual e natural compartilhado por todos e, o processo de desmame irá ocorrendo. Então, para que o des-envolvimento possa ocorrer de forma natural e espontânea, é importante que a mãe deseje “ser desmamada” da imagem de quem amamenta seu bebê e que, este tenha internalizado e incorporado o “seio materno”, quanto ao seu significado: de afeto, de nutrição, de cuidado, de continência, pois, junto ao peito, há o envolver de um abraço, transmitindo continência, afeto etc. Para Winnicott, o desejo de desmamar precisa passar pela mãe. Para Dolto, espera-se que a mãe aceite a entrada de outras pessoas na vida do filho e, para este deve estar presente o desejo de comunicar-se com outros, ou seja, se faz necessário o desejo de ambos, mãe-bebê, para o crescimento. O pai, neste sentido, tem importância fundamental, inicialmente, oferecendo um braço ampliado de cuidados à dupla mãe e bebê, depois, auxiliando o bebê a dar os primeiros passos em direção ao mundo real e simbólico. O Desmame, então, é uma importante etapa fisiológica e psicológica para o bebê. A palavra ‘Desmame’ vem do latim separare, que significa separar. Quando se trata de uma separação (física, nutritiva e, principalmente, afetiva) forçada poderá acarretar conflitos inconscientes para ambos, principalmente, para o bebê. Os pais podem se sentirem forçados para o desmame por pressão interna, familiar e do entorno: que se coloque o bebê em creches ou escolinhas; quando a mãe necessita retornar ao mercado de trabalho; quando houver cansaço físico e mental para os cuidados; ao nascer dos primeiros dentinhos; desejos de voltar ao trabalho etc. E, assim, a necessidade de buscarem alternativas saudáveis para lidar com sentimentos: de angustia de separação; mágoas; culpa e etc. Chegará, então, o processo de DESFRALDE. Desfralde significa: marinha dar ao vento, desferir, largar (velas). Os excrementos poderão ter significados diversos, para cada bebê: afetivos (presentear os pais, ter um filhinho como a mamãe, guardar seus “tesouros”…), agressivos (fantasias de ataques, não presentear os pais ...), de apego e desapego etc. O bebê, durante seu processo inicial de desenvolvimento, não terá o controle dos esfíncteres, devido a imaturidade do sistema nervoso e, assim, necessitará usar fraldas. Psiquicamente, podemos pensar na função da fralda como a extensão de cuidados da mãe, como uma “mão” cuidadora e continente por parte dela, para conter os excrementos da criança. Com o amadurecimento gradual do sistema nervoso: nas meninas, por volta de 21 meses e nos meninos - 23 meses e, ainda, com o desenvolvimento psíquico, também, por identificação aos cuidados maternos, a criança irá adquirindo maior capacidade de autocontrole, tanto de seus esfíncteres quanto ao controle de seus sentimentos e, assim, irá diminuindo a necessidade daquela “mão/fralda” continente da mãe. Para Winnicott, quando existir respeito ao amadurecimento natural do bebê, este terá sentimentos de mérito e fé na natureza humana. Segundo Dolto, quando a criança estiver com mais desenvoltura corporal: habilidade com as mãos; falando bem; com liberdade de movimentos; conseguindo subir escada portátil, até o último degrau e, sozinha, este será o momento em que a criança estará apta à abandonar as fraldas. Neste sentido, para alguns pais, principalmente, para as mães o crescimento dos filhos tem esse significado de “abandono”. Lembro de um comercial na TV que dizia: “Os pais querem duas coisas para seus filhos: que eles cresçam muito e que não cresçam nunca”. Nada preocupante quando eles se dão conta, deste sentimento ambivalente. Os bebês quando estão se ensaiando no piniquinho, costumam dizer: “tchau cocô!”. Desde o útero materno, já foram ocorrendo ensaios de tchau. Estes ensaios são recíprocos, para pais e bebê, desde o útero - quando do momento de autonomia a partir da placenta; da saída para a “luz”; da saída do peito; do abandono das fraldas; entrada na escolinha; do encontro com terceiros e, assim por diante. Movimentos de aproximações e afastamentos, vão ocorrendo, gradativamente, por exemplo, quando os pais, chamam o bebê e este vindo ao seu encontro e depois, os pais indo atrás do mesmo, em seus primeiros passos sozinhos. O famoso “fort da” do neto do Freud (o neto, ao brincar com um carretel o via desaparecer e aparecer e, a alegria do seu retorno), o qual entendeu como uma maneira do bebê simbolizar a separação e reencontro com a mãe. Eu diria que, se tudo estiver indo bem, o “fort da” também vale para os pais. Eles necessitam, igual, e gradualmente tomarem maior distanciamento dos filhos (atitude, muitas vezes, árdua para os pais) e, ainda, aceitar o crescente distanciamento físico e temporal dos filhos, bem como a inclusão de outros na vida destes. E, o quanto, ao aceitarem tais movimentos, facilitarão ao filho (e a si mesmos) seguir rumo à autonomia e independência. Referências Bibliográficas: Szejer, Myriam. Nove meses na vida da mulher: Uma abordagem psicanalítica da gravidez e do nascimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. Szejer, Myrian. Se os bebês falassem. São Paulo: Instituto Langage, 2016.


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