top of page

Um banho de palavras


Um banho de palavras: Palavras verdadeiras ditas a um bebê pelos pais ou por alguém significativamente próximo tem efeito sobre o corpo do bebê. Podem restabelecer a coesão interna da criança. Palavras promovem o laço entre o eu do corpo ainda imaturo e de sensações dispersas e o eu psíquico do bebê, ainda em formação. (Essa é uma definição simplificada do conceito da imagem inconsciente do corpo proposto pela psicanalista francesa Françoise Dolto) .

O uso de palavras dirigidas ao bebê tem a função de introduzir o bebê no universo do simbólico, de acordo com a psicanalista francesa Françoise Dolto. As palavras voltadas a uma comunicação intencional dirigida a um bebê tem um efeito humanizante. Um recém- nascido pode não entender a língua, o significado das palavras como a criança que mais tarde já adquiriu a linguagem falada e o pensamento, mas entende o sentido afetivo do que está sendo comunicado. O tom de voz, o ritmo e a familiaridade com a voz sobretudo dos pais atingem o psiquismo da criança a ponto de registrar memórias que inauguram a sua dimensão psíquica.

Inicialmente o bebê é um ser apenas de necessidades. Tem necessidades básicas como ser alimentado, ser trocado quando sente que está molhado e também de ser consolado em seus estados emocionais de desamparo na nova vida extrauterina. Quando as respostas que recebe a essas necessidades são acompanhadas de uma linguagem dotada de sonoridade afetiva sincera que comunicam acolhimento e prazer em atendê-lo a criança aprende a ter confiança na expressão de suas necessidades e permissão para o futuro desejar da vida da primeira infância e até da vida adulta.

Nesse estágio inicial da vida psíquica primitiva o bebê vive apenas sensações de bem estar ou mal estar. Bem estar quando está cuidado, trocado, confortado e relaxado. E sentirá mal estar e tensão na demora excessiva ou ausência desses cuidados. Ou ainda diante de cuidados realizados de maneira mecânica, impessoal e com distância afetiva. O mal estar também pode vir de um excesso de cuidados ou um cuidado excessivamente ansioso.

Essa alternância de estados coloca o bebê na necessidade de demandar novos cuidados a cada novo estado de desconforto e insatisfação. Se esses cuidados vierem recheados de palavras que comunicam a criança a verdade sobre o que está em jogo entre eles cuidador e bebê a criança se sente confirmada em suas queixas. Aprende que é considerada como alguém que merece respeito em suas manifestações, aprende que pode desejar ser cuidada e que é bem vinda em sua situação de dependente. Assim se instala a dimensão de interdependência positiva entre a mãe e o bebê e o campo emocional inter-psíquico. A criança se vê nas expressões de satisfação de sua mãe ou cuidadores como “sendo de bem-estar, ou seja se percebe como sendo do bem”.

As sensações ganham o campo da percepção de si mesmos, isto é da imagem inconsciente do corpo, proposto por Françoise Dolto. Vale notar que isso se dá muito antes das noções morais de bom ou mau que a criança adquirirá muito mais tarde como valores éticos, aqui estamos falando de sensações e sentimentos de “si mesmo”.

Sensações cenestésicas abrindo espaço ao universo simbólico introduzido pelos cuidados, pelas palavras e pela linguagem. Se ao contrário a criança percebe, (e ela percebe), que incomoda ao manifestar suas necessidades de cuidados e amparos passa a se sentir inibida e acaba vendo-se na imagem de desconforto do cuidador e sente-se culpado ou a causa do mal-estar experimentado por ambos. Para Françoise Dolto aqui está a gênese da inibição ao brincar da criança do sentimento inconsciente de culpa do adulto. Para essa autora o sentimento de si gerado pelo mal estar que predomina é o de uma identificação com a culpa pelo desconforto vivido em um campo interpsíquico tenso.

Por esse motivo palavras carregadas de verdade, mesmo a verdade sobre a tensão real vivida promovem um campo afetivo intenso de emoções compartilhadas e previnem os sentimentos de culpa e de “de ser do mal” registrados na memória do bebê. As palavras podem então modificar mesmo as realidades mais tensas e desconfortáveis substituindo-as pelo interpsíquico relacional e de reconhecimento do vivido.


Bibliografia:


Dolto, Françoise. As sensações cenestésicas de bem-estar ou mal-estar, origem dos sentimentos de culpa, pg 17 a 51. No jogo do desejo- ensaios clínicos. São Paulo ed. Àtica, 1996.







Posts Recentes
Arquivo
Siga
  • Facebook Basic Square
bottom of page