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A retirada das fraldas e a função dos pais nesse processo.


A internet está repleta de sites e blogs dando informações e dicas de como os pais devem proceder a fim de retirar as fraldas da criança. Alguns indicam a época do ano em que se deve iniciar o processo, o tipo de penico, com ou sem redutor de assento. Outros dão dicas sobre o treinamento da aquisição da higiene indicando a periodicidade em que os pais devem levar seus filhos ao banheiro, se devem ou não repreender quando há vazamentos, ou comemorar quando a criança consegue cumprir o planejado. O mais interessante é com relação ao tempo em que esta habilidade deve ser adquirida, uns falam em três dias, outros em até um mês.

No entanto, há poucos sites que refletem sobre os sentimentos e as angústias dos pais que passam juntos com seus filhos por esta fase tão importante do desenvolvimento infantil. Quantos pais devem se sentir frustrados porque seu filho, diferente do amiguinho da escola, ainda não conseguiu o desfralde completo diurno ou noturno? Quais são os sentimentos que os pais experimentam na recusa do filho em seguir o treinamento planejado?

Os manuais médicos voltam a atenção ao comportamento infantil e as dicas estão sempre centradas na criança, mas se por um instante modificarmos o olhar, prestarmos atenção nos pais e os questionarmos: pai e mãe, vocês estão prontos para tirar as fraldas de seu bebê? Como seriam essas respostas?

O desfralde não se refere somente a retirada das fraldas, junto com ele o psiquismo do bebê vai se transformando, cada passo conquistado na retirada da fralda equivale a mais um passo para a independência desse sujeito. Quando falamos de independência não nos referimos a questão de ir ao banheiro sozinho, mas sim da independência afetiva que se coloca a partir daí, e essa independência tem que ser desejada e incentivada principalmente pelos pais.

As ambivalências, próprias dessa fase e que nos acompanharão durante toda a vida, estão evidentes nos conflitos vivenciados pelas crianças: fazer xixi no penico ou não fazer; fazer cocô na fralda ou não fazer; atender a solicitação dos papais ou desfrutar do domínio do meu corpo que é novo para mim? Entretanto, as ambivalências também podem ser observadas nos pais, entre elas, talvez a mais difícil: deixar meu bebê crescer ou continuar com ele assim tão grudadinho a mim? Essas resoluções precisam ser elaboradas pela criança, mas os pais podem e devem ajudar, primeiramente, olhando para dentro de si mesmos e percebendo seus pensamentos, sentimentos, dúvidas e medos com relação a criança e a essa etapa de seu desenvolvimento.

Marcelli (1998) identifica três eixos que influenciam o processo de retirada das fraldas, a saber: eixo neurofisiológico, eixo cultural e o eixo relacional. O autor enfatiza que cada cultura tem suas normas e regras, umas mais e outras menos rígidas com relação ao asseio corporal. As fezes e urina exprimem em qualquer sociedade uma carga afetiva, positiva ou negativa, e os sentimentos dos pais em relação ao que é produzido pelos seus filhos - como uma oferta e um bom presente, ou como algo ruim e um detrito – acabam influenciando no domínio que a criança terá de seu corpo.

Com relação a questão motora e neurofisiológica de quando iniciar o desfralde, destaca-se a fala da psicanalista François Dolto, diz ela:

“é por volta de dois anos, a partir do momento em que uma criança é capaz de subir e descer uma escada sozinha até o último degrau, é nesse momento que seu sistema nervoso esta constituído e que ela consegue portanto tirar a fralda, antes não consegue (...) O treinamento deve ser sempre no banheiro e nunca nos cômodos onde se fica e onde se come”(Dolto, 1998, p.21).

A fala de François Dolto se refere a aquisição neurofisiológica e ao treinamento, mas como vimos, isso por si só não garante que o desfralde acontecerá rapidamente. Para que a criança consiga subir sozinha uma escada, ela precisa se sentir segura e confiante, o mesmo se dá com o desfralde. O controle dos esfíncteres ocorrerá mais facilmente quanto menor for o controle dos pais no treinamento e quanto menor forem seus conflitos intrapsíquicos. O tempo é singular, cada criança e família terá e precisará do seu tempo para elaborar todas as transformações que acontecerão a partir dessa fase.

Referências:

Dolto, Françoise. (2008) Quando os filhos precisam dos pais. São Paulo: WMF Martins Fontes.

Marcelli, D. (1998) Manual de psicopatologia da infância de Ajuriaguerra. 5ed. Porto Alegre: Artmed.


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