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Quem tem que se adaptar a quem? A mãe ao bebê ou o bebê à mãe?


Recentemente, estive em um chá de bebê e, entre algumas mulheres presentes, surgiu a seguinte questão: “A mãe quem tem de se adaptar ao bebê ou o bebê se adaptar à mãe?” Então, dei-me conta que se trata de um tema muito questionado entre mães, familiares etc. Assim, surgiu a ideia para este post.

Ao longo do texto, a palavra mãe irá se referir a todos que exerçam a função materna: mães biológicas, adotivas, pais, avós, tios, babás, instituições, no sentido de, alimentar, cuidar, amar, ou seja, que possa disponibilizar tempo e cuidados ao bebê, desde os seus primeiros momentos de vida. Donald W. Winnicott - médico e psicanalista - tratou muitos bebês com suas mães e criou o conceito “Preocupação Materna Primária” (2000).

A Preocupação Materna Primária é uma condição psicológica muito especial e apurada, por parte da mãe, que ocorre desde o período de gestação até algumas semanas, após o parto. Tal condição especial refere-se a um exacerbado grau de sensibilidade por parte da mesma, que a leva a buscar um retraimento, quer seja, do ambiente, quer seja, de ordem psíquica. Esta sensibilidade caracteriza-se por: choros, irritabilidade, sonolência, sentimentos de carência, insegurança, alternância de humor (alegria/tristeza; irritabilidade/calmaria; etc).

Este autor refere-se a esta condição especial, como quase uma doença, porém, normal, neste período do ciclo evolutivo da mulher. Esta condição especial proporciona à mãe, aproximar-se do estado mental de seu bebê e, assim, compreendê-lo em suas necessidades mais primitivas.

Através de imagens, pensamentos, sensações a mãe poderá ser capaz de traduzir o que o bebê suscita nela e, isto, requer um grande trabalho psíquico. Este processo poderá não ser algo simples ou confortável de se sentir. A gestante e/ou a mãe regride psiquicamente e, consequentemente, entra em contato com seu próprio desamparo infantil.

Monique Bydlowski (2001), psicanalista criou o conceito de Transparência Psíquica, o qual se refere a este modo especial do funcionamento psíquico no decorrer do processo gestacional. Este funcionamento possibilita que, conteúdos inconscientes emerjam de forma imediata. Assim, a gestante re-vive, consciente e/ou inconscientemente o que experimentou (na realidade ou na fantasia) na relação com a própria mãe, nos primórdios de sua existência.

Experiências, positivas e negativas, emergirão neste período, e a gestante necessitará, também, de um ambiente acolhedor. Acolhedor, porém, não invasivo, que possa permitir vivenciar esta experiência tão intensa em sua vida, com dúvidas, angústias, temores, incertezas, dores e amores, ou seja, um caleidoscópio de sentimentos, pois tudo está a “flor da pele”.

Neste período, ocorrem perguntas, tais como: “Como poderei dar conta de meu bebê?”; “Como cuidá-lo, quando eu mesma me sinto tão vulnerável e sensível?”; “Conseguirei ser uma boa mãe e, ainda, ser mulher?”; “Conseguirei voltar a ser eu mesma?” etc.

Estes sentimentos tendem a assustar as gestantes e/ou puérperas, principalmente, àquelas que se dedicam de forma extremamente intensa à vida profissional. Há o temor de serem engolidas pelo bebê e, assim, perderem sua singularidade e autonomia. Assim, frente à emergência destes sentimentos - normais para esta fase – e, a tantas incertezas, pode ocorrer uma necessidade de fuga, fuga para não entrar em contato com sentimentos tão desconfortáveis.

Porém, poder entrar em contato com sentimentos de desamparo e vulnerabilidade é o que lhes possibilitará chegar muito próximo ao desamparo de seu bebê e, assim, compreendê-los. O bebê necessita de alguém disponível, interessado nele, que o contenha física e afetivamente, tendo em vista, ser completamente dependente do ambiente. Tal dependência pode ser assustadora para a mãe, por sentir-se exigida, ao extremo, para esta função. No entanto, se esta mãe sentir que existe um entorno que a acolha, que lhe ofereça segurança e tempo para poder conhecer seu bebê e vice-versa, bem como, poder tentar se relacionar com o mesmo, do seu próprio jeito, aos poucos, irá sentir-se capaz de olhar, cuidar e, se ligar afetivamente ao bebê.

O bebê necessita de alguém disponível e amoroso nos primeiros meses. Esta experiência de repetição de cuidados e afetos irá lhe (bebê) proporcionar e incorporar dentro de si, uma figura amorosa e protetiva. A psicanálise denomina estas figuras incorporadas e introjetadas (pais, avós etc.) de objetos, os quais podem ser externos e internos.

Assim, estes objetos internos (afetivos e protetivos) poderão representar, subjetivamente, segurança, afetividade, sentimentos de boa auto-estima etc. São estes, os sentimentos que proporcionarão ao bebê, tolerar o afastamento gradual de sua mãe e se aproximar de outras pessoas.

Os mesmos sentimentos que, possibilitarão ao indivíduo enfrentar dificuldades, frustrações e obstáculos ao longo da vida, inclusive, quando chegar o momento de ter os próprios filhos e poder sair destas experiências, mais fortalecido com a sensação de estar vivo, como se referia Winnicott.

Podemos fazer uma analogia com a placenta. O bebê no interior do corpo da mãe está protegido dentro da mesma e, através da transmissão de nutrientes e oxigênio, por parte da mãe, ele pode crescer e se desenvolver. Assim, quando o bebê nasce, o par - mãe-bebê - necessita de uma espécie de envoltório psíquico - “placenta psíquica” -, representados por um ambiente seguro e acolhedor, que permita a continuidade de troca, principalmente, afetiva entre ambos.

O par necessita de um tempo necessário para que o envolvimento afetivo possa ir sendo construído e, muito se dará com a adaptação e devoção por parte da mãe para com seu filho. Com o passar do tempo, - relativo a cada par - poderá ocorrer o desenvolvimento do bebê, ou seja, o desenvolver, ou seja, tirar o envolvimento exclusivo da mãe, o que lhe permitirá se aproximar de outras pessoas, principalmente, o pai e, assim, possibilitar seu crescimento.

E, quanto ao pai? Não é levado em consideração? Pergunta muito frequente, neste período da vida. A palavra pai, aqui, é utilizada para representar a função paterna: proteção, segurança, corte do cordão umbilical – real e simbólico, regras, lei etc.

O pai tem uma importância fundamental e poderá estar presente, desde o início, quando pode oferecer àquela placenta psíquica, ou seja, proporcionando um ambiente acolhedor, protetivo e afetivo à dupla mãe- bebê. Também ele, inicialmente, necessitará de um ambiente acolhedor, representado por familiares e amigos, ao lhe oferecerem escuta, apoio, etc.

Quanto à importância da presença do pai para a dupla mãe-bebê, podemos fazer uma analogia com uma espécie de ave, presente na Indonésia, a qual, durante a construção do ninho, a fêmea vai se posicionando pelo lado interno do mesmo e, o macho vai lhe auxiliando pelo lado de fora do ninho. A fêmea vai finalizando a construção, se fechando no interior do mesmo, de forma a deixar um pequeno espaço, o suficiente para que o macho leve alimentos e, lhes passe, através da regurgitação. Assim, vai alimentando fêmea e filhotes. Ele é quem faz a ligação do par entre o mundo interno (do interior de sua habitação temporária) com o mundo externo e, ainda, protegendo-os de predadores e, assim, mantê-los vivos.

E, para finalizarmos, voltamos ao questionamento inicial: Quem se adapta a quem? Conforme o que foi apresentado, lembramos da frase clássica, citada por Winnicott: “Não existe bebê sem uma mãe e não existe uma mãe sem o bebê”.

Assim, inicialmente, se faz necessário um tempo para que um envolvimento possa ser construído entre mãe/bebê, onde a dupla, possa encontrar-se indiscriminada, pois, para compreender o bebê, é necessário, sentir-se como ele, bem como, o bebê receber algumas funções maternas (cuidados, palavras etc). Após este período, será necessário outro tempo, desta vez, para um processo de des-envolvimento, quando, principalmente, com o auxílio da função paterna, o par poderá sair do envolvimento e, assim, ir se discriminando e, se constituir como indivíduos.

A criança, conforme, irá crescendo haverá de ter de se adaptar às regras da família, ao estilo e hábitos da mesma e, com o passar do tempo, terá de se adaptar às regras da escola, da sociedade e, da vida em geral.E, conforme Winnicott (1965), se tudo continuar se desenvolvendo bem, é possível continuar rumo à independência e subjetividade, apesar das regras impostas pelo ambiente, no transcurso do desenvolvimento.

Quero salientar que, tudo o que foi dito até o presente momento, tratou de um processo de gestação, pós-parto e relação mãe/bebê/ambiente normais. No entanto, caso a mãe, pai e/ou família entender que este período está sendo vivido com muito sofrimento, entendemos que, se faz necessário buscar ajuda: quer de familiares, quer de amigos e/ou de profissionais da área da saúde. Neste sentido, o Instituto Pais e Bebês se coloca a disposição para dúvidas, esclarecimentos e tratamento psicológico.



Referências Bibliográficas:

BYDLOWSKI,B (2001). O olhar interior da mulher grávida: transparência psíquica e representação do objeto interno. In: Novos Olhares sobre a Gestação e a Criança até os 3 anos: saúde perinatal, educação e desenvolvimento do bebê. Brasília: L.G.E., 2002. P. 205-214.

WINNICOTT,D.W. (1965). O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria d desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983).

WINNICOTT,D.W. (2000). Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas? Por D. W. Winnicott; com uma introdução de Masud M. Khan; tradução Davy Bogomoletz.- Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000. P. 399-405.


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